Sempre achei estranho quem não sabe responder de imediato sobre o álbum que mais ama na vida, o maior artista de todos os tempos, o pior show que já viu, uma banda que acha horrorosa e ou a sua canção favorita.
E quando digo que acho estranho é porque quem tem dificuldade de dizê-los geralmente está em uma destas opções:
Não dá a atenção merecida à música como arte;
Consome músicas só como tira-gosto e nunca como banquete (o que não permite mastigar antes de engolir);
Acha que sua vida é tão especial que merece trilha sonora. E neste caso, a canção vai mudando conforme a pessoa vai vivendo;
Desconhece que dá pra ser definitivo agora e mudar de ideia depois.
Em todos os casos, isso é grave e mostra a incapacidade de alguns em ser desimportante e não precisar consolidar um gosto pra sempre.
Meu álbum favorito da vida é, há uns vinte e poucos anos, o Nine Lives do Aerosmith; Bowie, o maior artista; Ana Carolina cantando Cássia Eller, o pior show; Charlie Brown, o horror do horror; e Hole in my soul, a canção que mais importa pra mim.
E é sobre ela que eu quero falar aqui.
A primeira vez que ouvi Hole in my soul foi em uma noite de dezembro de 97. Dia 19, pra ser exato, vendo a Mtv nas férias em São Paulo.
Ela foi o terceiro clipe que assisti, no mesmo dia, do tal Aerosmith.
Os outros dois foram Falling in love e Pink.
Nem sabia da existência deles e nem tinha muita intimidade com rock internacional, exceto pelos álbuns Blaze of Glory e Destination Anywhere do Bon Jovi.
E vendo aquele moço bocudo berrar, numas frases que só entendi meses depois, ao comprar uma revista da Bizz de letras traduzidas, eu descobri a minha primeira banda do coração e me tornei aquilo que chamam de fã.
Até hoje, o Aerosmith é o único artista que tenho todos os álbuns. E cheguei inclusive a ver três vezes, com destaque pro show do Rio onde conseguimos ficar com a echarpe do Steven.
Mas pra lembrar a data que me fez escrever esse texto, preciso explicar que Hole in my soul passou a ser minha de verdade no dia 18/3/1998. Porque foi quando ganhei de aniversário o cd que conta com ela.
A ironia é que essa foi a data de lançamento do álbum, mas um ano antes.
Minha mãe me deixou escolher dois cd’s, e além deste, peguei o Acústico do Nirvana que nem sabia que banda era mas um primo tinha me dito que era legal.
E sim, era e ainda é.
Mas, naquele momento, não podia ser a minha banda favorita porque já era de um cara meio imundo que estudava comigo.
Assim como o Iron Maiden era do Thalles e, nos anos seguintes, isso abriu precedentes pra todos meus amigos terem uma banda ou artista que era deles antes de ser de qualquer outro.
Então o Ozzy passou a ser do Bruno.
O Bon Jovi, da Rafa, da Alessandra e da Cris.
O Guns, do Marcelo.
O Raul, do Rogério.
O Sabbath, do Cristão; o Led, do Guilherme; O Doors da Mariana.
Thalita se apossou da Cássia Eller e ninguém ousou contestar.
E claro, entre tudo que eu fui conhecendo e descobrindo a partir do meu primeiro disco, o Aerosmith se tornou meu. Tão meu que, quando conheci a Bill e a senti compartilhar do mesmo encanto, achei uma decisão bem humilde dividi-lo com ela.
Mas apenas ela.
Do álbum, preciso admitir que que tem 2 faixas que acho bem ruinzinhas.
No caso, Crash (por achar meio barulho gratuito demais) e Falling off (nunca gostei dos vocais do Joe Perry).
Mas todo o resto, de vários modos, ainda me excitam e emocionam de um jeito que me faz lembrar das coisas mais absurdas, bonitas, caóticas e memoráveis que existiram nestes primeiros anos em que fui me aprofundando no universo musical.
Amo os riffs da faixa-título, os metais em Falling in love, a coisa meio soturna em The Farm e por aí vai.
Pink continua me soando divertida e sexy e Full circle, como uma canção que encaixa bem ouvir em dias nostálgicos ou em finais de bebedeiras.
Mas Hole in my soul - e sua letra, melodia, refrão e clipe - ocupa o topo sozinho.
Em todos esses anos.
E é uma pena que ela não figurou no setlist de nenhuma das 3 turnês que assisti.
O mais próximo de ouvi-la ao vivo que consegui foi com uma banda cover de BH que chama Aeroguns mas a colocaram no meio do repertório e, claro, não deram conta daqueles vocais absurdamente altos.
Em todo caso, eu não sei explicar o quanto ouvi-la mexe comigo, mas uma coisa dá pra afirmar: ao contrário de outras músicas que completariam com ela um top 5 das minhas favoritas da vida, ela nunca foi trilha sonora de um desamor meu.
Mesmo com uma letra sobre isso.
E olha que isso não seria difícil, principalmente se eu levar em conta que, tirando meu relacionamento atual, ela foi ouvida um punhado imenso de vezes nos 9 anos que precederam a chegada do Ângelo na minha vida.
Aliás, sem as colocar em ordem desta vez, as outras 4 que escolheria pra subir ao pódio com Hole in my soul hoje seriam:
- Old habits die hard (Mick Jagger)
- Seu minuto, meu segundo (Gram)
- A vida é doce (lobão),
- Both sides now (Joni Mitchell)
Pra terminar, vou aproveitar que esse texto foi apenas uma saudade que eu quis registrar e colocar nele outra. Que, no caso, veio uns anos atrás em uma ligação inesperada da minha mãe que começou pedindo pra eu ouvir o que estava tocando ao fundo de onde ela estava.
Antes que eu pudesse descobrir, ela explicou o motivo da ligação dizendo algo como: “é aquela música que você sempre aumentava o volume quando o cantor gritava e no clipe tinha um homem que ia fabricando as próprias namoradas.”
Claro, era “Hole in my soul”.
Que não bastasse ter grudado pra sempre na camada mais profunda do que eu guardo por dentro, também fez com a que dona Maria definisse, sem qualquer dúvida, como “minha música”.
Vindo dela, isso é um veredito.
E ponto.