Chega de experiência. Eu quero o de sempre.
De preferência sem nenhum novidade inclusa
No universo boêmio atual, nada mais me irrita do que pedir uma caipirinha e descobrir que ela é feita com cachaça 12 anos, lima da Pérsia, açúcar mascavo e gelo do Ártico filtrado. Tá, eu exagerei, mas só o fato de me perguntarem qual o sabor, é o suficiente pra eu querer fugir pra um boteco copo sujo e nunca mais beber em outro lugar.
E nem vou defender aqui um certo puritanismo, porque a intenção do texto não é essa. Claro que receitas ou qualquer outra coisa podem ser adaptadas, de tempos em tempos. Mas tudo tem limite.
Trabalhando com comunicação e marketing, é bem comum a gente pensar em cada detalhe a partir da famigerada "experiência do cliente". Porém, isso tá se tornando uma piada. Mas uma piada do nível das do Léo Lins.
Senão vejamos: não bastava a gente ter vivido a década da gourmetização, agora estão inventando de desconstruir o que sempre funcionou, em busca de uma inovação que só agrada (ainda que por pouco tempo) a molecada que se entedia fácil.
Com isso, já vi feijoada sendo servida com cada ingrediente em uma panela, cerveja com toque de limão e coentro (sim, coentro!), refeições dentro de copo americano, bolo em pote (que eu acho um ultraje), dentre outras coisas.
Meses atrás, num show que fui aqui em BH, a casa de shows tinha um menu até interessante de drinks. Mas quando comprei, vi que todos eram versões em lata, industrializados e assépticos. Gin com tônica? Em lata. Hifi ou Cuba? Em lata. Vinho tinto seco em lata. Faltou servir torresmo em lata e o banheiro ter latas ao invés de mictório.
E até aqui, ainda não falei dos ambientes instagramáveis e essa necessidade de tudo ser bonito pra se postar em redes sociais. Pra ficar num único exemplo, existe em BH um bar temático do Chaves que é mais triste que o Kiko chorando no muro da vila. Cardápio com títulos criativos, caro, atendimento ruim e comida ruim e genérica.
Porém o povo ama, porque segundo eles, tem toda uma "experiência" para o fã do seriado mexicano.
O que não é muito diferente do que acontece nos festivais de música dos últimos tempos. Aliás, a própria música fica em segundo plano, quando existe a bizarrice de vender ingresso antes de anunciar as atrações.
E sabe porquê vende?
Porque as pessoas, atualmente, não ligam para quem vai tocar. Elas querem selfies e mais selfies, que façam a ocasião soar incrível em um feed.
Ou seja, o som do palco estava ruim, o artista fez playback ou o show durou pouco mais de uma hora? Não importa. Desde que o copo do evento seja divertido, haja um painel para a foto a perfeita e a roda gigante tenha luzes que deixem o registro mais bonito.
Com isso, a máxima sobre ser "mais interesse dizer que esteve do que estar" se torna real. E a maldita experiência, desde que renda posts invejáveis, se sobrepõe ao que realmente deveria importar. Ou não.
Mas já que o mundo segue, com minha concordância ou não, só peço que não me incluam na experiência de vocês. Ou então, pra fazer juz a um dos significados da palavra no dicionário - conhecimento obtido através de um dos sentidos - eu me permito experienciar apenas o que soar datado, velho ou ultrapassado. De preferência, numa mesa de plástico, em um bar com ovo cozido na estufa e uma cachaça da roça com o rótulo empoeirado.
Até deixo vocês chamarem de vintage. Combinado?
Nossa, maluco. Resumiu bem!
No mês passado fui no Tardezinha com a minha digníssima e me surpreendeu como quase todo o evento fora do show é feito para ir pro Instagram. Letreiros e logos em neon com fila pras pessoas tirarem fotos (e com um exercício de estereótipo da minha parte, imagino que uma % considerável de pessoas ali tirou 6 a 12 fotos, com poses diferentes e postou em dias separados, ou num carrossel que depois vira #tbt com frases de literatura de auto ajuda). O Lollapalooza já tinha virado isso e por conta dessa "experiência" o preço inflou tanto que eu sigo só tendo ido no primeiro, onde eu vi o Rappa e foo fighters por míseros 150 reais, que hoje não devem bancar a alimentação lá dentro.
Sobre os bares, eu costumo fazer careta pra jovem que quer ser popular e glamourizar o litrão, que convenhamos é uma merda de cerveja, mas as vezes eu acho que eu tô amargo demais e tenho que dar o braço a torcer pra eles.