Eterno caos das pessoas iluminadas à minha volta
Ou como é necessário enxergar a luz dos outros
Tem gente que nasce sem brilho.
Vive sem brilho.
Morre sem brilho.
E no momento em que se acende uma luz por perto, se não for um baita gato na energia é só porque é uma pessoa estrela. Que já morreu por dentro, mas cerca de 13 anos depois a gente conseguiu ver além da escuridão que ela carregou consigo.
Tá, eu sei que enxergar brilho nas coisas ou nas pessoas é algo subjetivo. Além disso, da mesma forma que acontece nos observatórios astronômicos, isso exige calma, tempo e o equipamento correto.
No caso de gente, pra que se veja o brilho é preciso apagar a lanterna da opinião, do julgamento e da expectativa. Porque afinal, quem brilha de verdade - e melhor - não disputa alcance. Geralmente a pessoa brilha primeiro em volta de si antes de iluminar o ambiente ou dividir a luz com outro.
E pra mim, fã incondicional do Stephen King, é um tanto interessante perceber que, sem a aura fictícia dos livros, existe gente iluminada de verdade. Ou seja, eu conheço - e não são poucos - algumas dúzias de Carries, Joe Coffees, Abras e, em um contexto menos divertido, Jacks Torrance.
“Ainda estou encantado pela luz que você traz consigo
Eu ouço através dos seus ouvidos, através dos seus olhos eu posso ver”
Stuck in a moment | U2
Eu sou casado com alguém que brilha. Uma luz constante, ali entre o vermelho intenso e o amarelo aconchegante pros dias frios. Daquele tipo de luz que te abraça quando acende e, nas poucas vezes que apaga, o faz só pra carregar a bateria.
Minha mãe também tem luz própria. Uma coisa meio solar meio refletor de show de rock. Por vezes, ela se mostra forte porque considera que quem ela ama precisa processar a vitamina da existência. Noutras, ela escolhe ofuscar a visão pra que, quando eu fechar os olhos, consiga respirar um minuto antes de dar o próximo passo.
Há uns dez anos eu conheci a Paulinha. No princípio eu fiquei sem entender porque ela carregava tantas lanternas no bolso se a luz que ela tinha era tímida e parecida com um candeeiro. Pra se manter útil, havia um tipo de chama que só acontecia após riscar o pavio da confiança. Mas depois disso, aquela luz durava dias. E se programava pra entregar apenas o que caminho pedia.
Ao contrário dela, a Carla, minha prima mais importante, sempre se mostrou como aquele dia de verão no hemisfério norte, onde os dias se iniciam mais cedo e terminam já dentro da noite. E dali, tão perto e tão longe ao mesmo tempo, ela consegue até mesmo me fazer abandonar o casaco e o conforto de casa para sorrir com os raios que emana sempre que sorri
Minha amiga de mais tempo, Rafaela, nunca teve paciência pra ter um brilho que alguém não conseguisse usar sem a autorização dela. Então instalou aqueles canhões de luzes de helicópteros à noite e decidiu ficar sempre do alto, numa atenção dedicada ao que quer iluminar. E claro, cegou muita gente sem hábito pelo excesso. Mas no que realmente deveria importar, nunca perdeu o foco.
Já a Tati, veja bem, foi outra que dispensou a regra básica de brilho e se tornou farol. Desde sempre, ignorou marinheiros que não sabiam voltar, mas manteve a certeza de que, da orla, dá pra decidir melhor qual ponto merece ser visto à noite.
Ainda vale lembrar da Nath, que tem led na alma e aproveita que eles exigem uma baixa manutenção pra trocar a frequência pelo espetáculo do brilho quando ele acontece. A Êmile, que montou uma gambiarra de lâmpadas suspensas que, a depender do cenário, são bivolts e funcionam tanto no 110v quanto no 220. Ao Iury, que se transforma naquela luminária de cabeceira quando a leitura exige o silêncio da madrugada ou a atenção dedicada da tela de um Kindle.
Também tem a Anna e a Simone, que dentro de suas próprias individualidades, também se iluminam ao meu lado. A primeira, quando se veste de mãe para fazer um café da manhã delicioso de boa anfitriã. A segunda, quando coloca seu tênis invisível de luzinhas e sai caminhando por aí, despreocupada e com o som alto nos fones de ouvido.
O Jônatas e o Wellington brilham juntos. Mas neste caso, enquanto um carrega sobre si uma lâmpada de genialidade e ironia, o outro é daqueles que me chamam para tocar campainha e desligar o padrão da casa dos outros. Eu, claro, quase sempre topo.
E o Saca, que com seu pisca pisca natalino que acende e apaga mas permite que eu decida, enquanto fizer questão de usá-lo como adorno, que se possa de tempos em tempos mostrar que é possível enviar um sinal de alerta e evocar um herói sem superpoderes pra salvar o dia
Cada um - e à sua maneira - teimam em me fazer acreditar que qualquer breu no caminho só existe se eu quiser. E que sem precisar investir num projeto de iluminação dos dias que ainda seguem, é possível acreditar que o brilho que carregam é inerente ao que eu observo. E se faltou mais gente nessa lista, não foi esquecimento.
Foi intenção.
Mas não aquela maldosa de quem age como Caronte, o barqueiro que leva as almas para Hades a troco de moedas. Nem mesmo a do convidado que assopra as velas do aniversariante antes dos parabéns. Neste caso - e apenas desta vez - foi pra me desobrigar de ser o mensageiro de tudo pra todos.
Afinal, toda essa poética que uso para descrevê-los não é capaz de explicar o quanto a vida se torna possível ao reconhecer no outro, e na sua libérrima tentativa de existir, a minha melhor alternativa em querer continuar.
E isso sim, é capaz de iluminar todos os meus dias.
Aaaaaaah não! Que ódio! Eu amei o jeito que você me descreveu, e pode ter certeza que meu tênis invisível de luzinha brilha muito perto de você! 😍😍😍😍
Gosto da sensibilidade e da sutileza que a sua narrativa carrega. É um convite que nos chama ao espelho pra ver nossos outros "eus" que, às vezes, nem sabemos que existem. Parafraseando Gabriel Garcia Marquez, saber (e sentir) que somos luz pode (e deve) ser um bálsamo suave em tempos de cólera. Então, brindemos a possibilidade de sermos luz em nós e nos outros.