No momento em que o Congresso Nacional discute nas comissões o PL 580/2007, eu recebi com certa surpresa a aprovação por 12 votos a 5, a autorização para que o projeto continue sua jornada até uma possível votação.
Afinal, sem entrar no mérito de urgência das pautas que deveriam ser foco dos parlamentares, a minha pergunta se iniciou com “o que estas pessoas têm a ver com a minha conjugação de família?” Contudo, pensar a respeito me fez ampliar o conceito do que realmente eu espero desta decisão.
Primeiro, é importante explicar que antes de ir para uma votação em plenário, o PL ainda precisa ser discutido e aprovado nas comissões de Justiça e Cidadania, por exemplo. Até o momento, o parecer é apenas da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, formada, em sua maioria, por deputados com viés religioso e que buscam pautar a lei a partir da escolha de uma única crença como verdadeira.
Veja bem, não há mal algum em seguir a fé em um deus, ou mesmo usá-lo como referência para sua conduta. Contudo, quando se decide por transformar uma pauta social, em um país que deveria abrigar todas as religiões e pensamentos, isso se torna preocupante.
E eu poderia apenas reafirmar: o meu casamento não é da sua conta. Mas esse texto propõe outra abordagem. Ou seja, ele reitera que a decisão de ter um relacionamento homoafetivo é minha, mas eu gostaria, de coração, que também fosse sua. E já explico o porquê.
No momento em que escrevo essas linhas, estamos próximos, Ângelo e eu, de completar 17 anos juntos. Destes, 5 anos oficialmente casados. E não cabe aqui o velho julgamento bíblico de “casamento é entre homem e mulher”. Apenas porque, em momento algum, tivemos a intenção de readaptar o que diz o livro sagrado dos cristãos ao querer nos incluir entre o que ele diz sobre uma relação com as bênçãos de Deus.
Eu falo de direitos iguais, de poder estar dentro do plano de saúde dele, de construirmos juntos um lar, sonhos e um patrimônio, e ter a plena certeza que, quando um de nós não estivermos mais aqui, o outro terá o amparo legal do Estado.
Se esse conceito ainda não é claro, vamos tentar outro. O conceito de família. Dentro da realidade dos anos 1980, quando nossa Constituição foi redigida, o parágrafo 226 dizia que “para efeitos de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar”. E sem entrar no mérito de tudo que isso abrange, anos depois, fica outra pergunta: “Em um país onde 11 milhões de mães criam os filhos sozinhos, onde avós tomam conta de netos ou mesmo irmãos vivem sem os pais, isso significa que nenhuma destas conjugações pode ser considerada família?”
Eu gosto de uma frase, que sequer sei de quem é, que diz que “família é onde há amor”. E ainda que aqueles que seguem preceitos religiosos defendam apenas a união entre homem e mulher, a questão sobre a proibição do casamento homoafetivo não busca dissolver ou desqualificar que eles continuem acontecendo. Muito menos, sua permissão se relaciona para que as cerimônias conjugais entre pessoas do mesmo sexo precisem acontecer no âmbito da fé. Nós estamos, a todo tempo, falando apenas da sociedade civil. A mesma que eu, você, seus filhos, pais, avós, amigos e até pessoas que não são do seu convívio, participam.
E outro ponto que não pode ficar fora deste diálogo é: se proibido, quem de verdade, se beneficia com essa proposta? Quem se identifica como LGBT, vai mesmo mudar alguma ação ou atitude, apenas porque o estado não reconhece sua união? Ou haverá apenas outra forma de nos dividirmos enquanto cidadãos, a partir do impedimento do outro a ter direitos iguais e legítimos?
Para muitas famílias heterossexuais, a discussão dessa pauta pode não soar tão importante. Mas sem criar qualquer situação que faça parecer errada a sexualidade de alguém, qual a certeza que cada um tem sobre a orientação sexual dos filhos, amigos, sobrinhos ou pessoas próximas a você? Caso isso aconteça, você ainda continuará favorável à extinção de direitos civis desta pessoa, apenas porque ele não cumpre os requisitos que a sua fé exige?
Por fim, a mesma religião que tem sido usada como escudo para defender uma única conjugação familiar, diz, em seu Novo Testamento:
“De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus. Assim que não nos julguemos mais uns aos outros; antes seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão.” — Romanos 14:12-13
Sendo assim, se há critério para que seu amor seja distribuído ou compartilhado, eu termino convidando aqueles que afirmar ter amor, empatia e respeito a mim - e a todos aqueles que se encontram, segundo a fé cristã, em pecado - que estejam, de verdade, junto a nós nesta decisão sobre a proibição do casamento civil homoafetivo. E reitero: quando digo que precisamos de você, é porque toda vez que uma injustiça se mostra a determinado grupo, e o outro entende que não é com ele, criamos um precedente para que, como sociedade, não sejamos capazes de cuidar uns dos outros. E como diz, sabiamente Brecht, no poema abaixo:
“Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso.
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
Mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
Mas não me importei com isso.
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
Mas como tenho meu emprego,
Também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém,
ninguém se importa comigo”.
Importante: o projeto de lei original é de autoria do ex-deputado Clodovil Hernandes. Contudo, o atual texto, 16 anos depois, em nada mantém o conteúdo original. Quando foi criado, dizia sobre igualar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Hoje, ele propõe o contrário.