Hoje, eu morri mais uma vez.
Era 16:18 e, após mais de uma semana de idas e vindas ao veterinário para visitar a minha gata mais dócil, ela teve uma parada cardíaca e morreu.
Eu, como tem sido mais comum do que eu gostaria nos últimos tempos, morri um pouco também.
Um pouco não, bastante.
Hoje eu morri muito mais do que tenho aguentado morrer.
Se a gente pensar bem, esse tanto de morte que carregamos e que, pra alguns, se torna um enorme cemitério na cabeça, é como se fosse um ensaio mal intencionado da última morte.
Aquela inevitável que passaremos em algum momento pela vida (ou melhor dizendo, ao fim dela).
Mas talvez - talvez não, certamente - essa última doa menos porque é quando o coração da gente para de sentir.
Em todas as outras mortes que existem antes dela, acontece o contrário.
Algo como cutucar com um canivete quente e enferrujado uma ferida não cicatrizada e inflamada.
As mortes antes da morte me fazem lembrar da fábula do sapo na panela. Nela, se conta que o anfíbio tende a evitar a morte se a água já estiver absurdamente quente. Do contrário, se esquentar aos poucos, ele se habitua e, antes que perceba, é cozido vivo.
Pra mim, todas as vezes que morri um pouco, foram desse mesmo jeito.
Alguém amornou a água, comigo dentro, no dia em que perdi a minha irmã; no dia em que a minha primeira gata sumiu para sempre; no dia em que um amigo estourou os próprios miolos e até mesmo em dias que foram muito ruins e depois passaram.
O problema é que já me atentei que a panela tá ficando quente demais e não sei se quero esperar que alcance o máximo de calor.
Alanis foi a minha pequena garota adotada com cinco filhotes e um quadro crônico de doenças.
Chegou como companhia no primeiro dia de lockdown da pandemia e ocupou, por pouco mais de cinco anos, o lado central da cama.
Quando me virava, ela gostava de deitar contra as minhas costas, ronronando tão alto que eu podia dizer que era a melhor terapia de sono.
Ganhou esse nome porque, segundo uma amiga, miava como aquela cantora canadense dos anos 90.
De hoje até sei lá quando, foi-se embora a doçura.
Ficou um punhado de pelos guardados num potinho e a certeza de que ando tão cansado de tudo que, hora dessas, vou acabar acelerando a fervura.
Pro bem ou pro mal, vê-la partir me fez descobrir que eu alcanço o botão do fogo alto. E que ao invés de ficar engolindo essa porra de pílula pontiaguda, talvez não seja uma má ideia procurar outra forma de não se sentir tão destruído quanto estou hoje.
Eu sinto muito Dell. Um bichinho é um pedacinho de nós, passei por isso a pouco tempo e sei como dói. Mas tenho certeza de que Alanis nunca foi tão amada na vida. Fique bem! ♥️