O mundo da música está ao contrário
E vocês repararam e o transformaram numa versão do Sambô
Este vai ser o texto sobre música mais amargo que já escrevi. Tão amargo que podia estar em um álbum da Iza que vai falar sobre a traição e contar com a participação especial do Belo. Ou do Zé Ibarra. Do Jão. Ou de todos com um coral de lavadeira do rio São Francisco ao fundo.
Falar que música boa era no meu tempo seria mentira, porque no meu tempo tinha o Latino, o P.O.Box e gostar do N.X.Zero era coisa de adolescente emocionado que só não queria ouvir dor de corno em versão sertanejo e a escondia por trás de uma guitarra.
Hoje, vocês conseguiram enfiar a guitarra no cu, seguem insanos na tentativa de fazer um revisionismo do que levaria tempo para entender (e muito tempo não gera engajamento no Tik Tok) e se perdem entre considerar datado o hit do último verão e viralizar como MTG uma música que todo mundo vai odiar no segundo dia da trend.
Mudaram as estações mas nada mudou
E eu nem reclamo da nova forma de ouvir e consumir música. Porque no meio das facilidades de ter tudo na palma da mão (e acessar qualquer artista em tempo real), coisas como a volta do vinil e turnês comemorativas de discos clássicos me fazem a alegria.
Só que vocês passaram a usar uma régua para sucesso que se distancia cada vez mais do único motivo que uma canção existe: a sua audição. Com o novo formato - que vocês compram sem ler as instruções de uso - muita gente passou a se considerar a parte mais importante nesta cadeia do mercado fonográfico, onde o artista produz, lança, a gente avalia, consome e, por fim, decide como interagir.
Tudo que não era esgoto agora fedia
Quer exemplos? Então vamos lá.
Começando pelos fãs da Lady Gaga e do Bruno Mars que querem um novo lançamento mas o querem embalado pra viagem. Pode até ser sem gosto, mas para validá-lo, é só vê-lo no topo de um streaming ou recebendo prêmios em um evento de cartas marcadas.
E aí, nem importa se a tal “Die with a smile” é uma balada soul genérica. O clipe é bem feitinho e ainda permite relembrar aquele momento épico que a Gaga protagonizou com Cooper no Oscar. Vai direto pro topo. E do topo pro limbo.
E aí vamos para quem curte a Beyoncé que certamente não vai mais perder tempo em buscar nuances, detalhes ou emoção criativa em uma música da cantora. Nasceu um álbum, ele só precisa de views e opiniões calorosas sobre o fato dela ser a maior artista em atividade. Duvida? Olha a comoção desmedida com o tal álbum country da moça, que permanece incensado, virou fundo de post engraçadinho de rede social e só.
Tem gente que já especula o próximo, que pode ser até um disco de rock (e daí?).
O Brasil é o país do futuro
No Brasil, a coisa não é muito diferente não. Todo dia alguém desenterra uma turnê comemorativa de alguém, incluindo aí aqueles que já causaram tanto dano na combalida produção nacional, como Charlie Brown, É o Tchan, Raça Negra, Restart, KLB e Forfun. Em breve, é só esperar que teremos um novo retorno do Sandy e Júnior e da Kelly Key. Ou mesmo a volta do Falcão pro Rappa, do Samuel pro Skank e da Cláudia Leitte pro Babado novo. E claro, um álbum novo do Emmerson Nogueira, com participação do Dino Fonseca, sua versão 2.0. Acredite, é só questão de tempo.
E para completar o ciclo bizarro da produção capenga atual, a surpresa é pensar que logo o cara que cantava no Sambô tá fora da banda e começou a gravar versões de rocks sem a pegada questionável de antes. E ironias à parte, fez uma versão bonita de uma canção do Bon Jovi. O que também não quer dizer muita coisa, não é mesmo?