O mundo está cagando para você
Enquanto você acredita numa conspiração universal a seu favor
Uma das cenas mais emblemáticas de um dos meus comfort movies favoritos é quando Hollie Bayler, a personagem de Susan Sarandon em Elizabethtown, sobe no palco durante o velório do marido e diz algo sobre o vizinho abraçá-la de pau duro, um dia após ela ter se tornado viúva. E é nesta hora, que ele percebe que não importa o que nos aconteça, o mundo segue. E pior: o tal universo particular que cada um acha que carrega consigo, consegue dedicar só um minúsculo pedaço de tempo da sua rotação para se preocupar com o que nos preocupa, perturba ou nos coloca na boca escura de um abismo.
Ou seja, isso deveria ser o suficiente pra gente descobrir cedo que ninguém é tão importante quanto acha, que se descobrir nu e só ao meio dia não é apenas alívio poético e que mesmo a gente sendo parecido quando sente dor, a farpa no dedo do outro doi mais que a amputação do pé alheio pelo simples motivo que doi nele.
Eu não quero com isso defender o isolamento definitivo ou argumentar como é inevitável ir morar dentro de si quando tudo parece ficar mais pesado do que a gente acha que suporta. Deveria, mas não quero.
Não quero porque essa mesma merda de mundo tá cheia de otimistas e, assim como os imbecis, eles acabam tendo voz não por estarem certo, mas porque são muitos. E usam ao seu favor, os placebos socialmente aceitos como esparadrapo sujo para estancar o sangue purulento da ferida inflamada da crença.
Com isso, depositam nos astros uma orientação falha de explicações sobre a queda, o tombo, a torsão e o ferimento descompromissado que a jornada nos causa. Claro, piorando tudo com um mix de espiritualidade que vem perfumada de estrume e planos futuros.
Enfim, a gente normalizou se banhar de bosta porque nos ensinaram que feder é inevitável.
Mas se o escatológico explica essa catarse, eu preciso reafirmar que todo mundo está cagando pra você e pra mim. Que nenhuma força mental é capaz de afetar o mais estranho planeta e fazê-lo se reunir na galáxia mais próxima para decidir o futuro que a gente espera.
Então o melhor a fazer talvez seja engolir o choro, limpar o corte, colocar uma tala no dedo e seguir, enquanto cada um achar que ainda dá conta. Porque o outro, por mais que diga nos amar, não vai se interessar genuinamente quando você resolver contar a ele o porquê anda sumido; o que tem te deixado triste; o motivo pelo qual você já quis morrer pra sempre.
O outro - que sempre vai ser o inferno - também tem seus demônios para alimentar ou aprender a conviver. E mesmo quando compartilhar do mesmo prato de merda que te obrigaram a comer, não te dará garantias de que o devorou sentindo sabor ou nojo igual. O paladar dele, por mais óbvio que pareça lembrar, é só dele.