Um orgulho que eu precisava redescobrir
Desde que me tornei tio, há 24 anos atrás, eu nunca duvidei de que esse era o título mais incrível e delicioso que alguém pode ter na vida.
Pra mim, bastou mirar aqueles olhinhos de uma garotinha de tez clara e cabelos absurdamente preto e pronto: eu já queria vê-la crescer pra ser o sujeito legal que só os tios podem ser.
Eu confesso que, a parte das coisas que minha sobrinha ia aprendendo, tinha um encanto especial quando eu interagia de formas improváveis. Por exemplo, no dia em que brinquei que a levaria - aos 4 anos - pro Carnaval em Ouro Preto. Ela levou a sério e fez um escândalo quando me viu sair sem ela.
Anos depois, levei Manu pro seu primeiro show ao vivo (Nando Reis), depois outros e, então, em 2018, consegui cumprir a promessa da folia na cidade mais linda do mundo.
Essa foi apenas uma das várias coisas que dividimos juntos até aqui.
Em um ciclo cheio de surpresas que, atualmente, recomeçou quando ela me deu um novo título: tio avô.
Meu 3º sobrinho veio no mesmo ano em que me casei.
Hoje tem 7 anos e é um xodó da família toda.
Esperto, inteligente, curioso e genioso; como o tio Wendell, afirma minha mãe.
E não bastasse ter transformado meu irmão no pai mais legal do mundo, chegou como um pequeno tsunami de alegria numa época em que a nossa família ainda estava juntando cacos.
Contudo, o mais legal sobre ele é perceber que, por sua causa, eu pude pela primeira vez ser o tio descompromissado e totalmente inconsequente apenas porque ele vive num lar bem estruturado.
Por isso, sou só o tio Wendell; meio doido, meio engraçado, que ama rock e que ele decidiu que ia amar ganhar uma camisa do Pokémon de aniversário e por isso me deu.
Só que entre estes três, há o Gabriell.
O segundo e, certamente, o que mais gerou conflito comigo ao longo do anos.
Primeiro porque era o favorito da minha irmã e isso a fazia protegê-lo além do ideal.
Segundo porque ao ficar sozinho, apenas ele e o pai, foi se transformando no tipo de adolescente que sempre me causou preguiça e repulsa.
Terceiro, possivelmente, porque eu precisei entender que tudo o que ele é é tão parecido ou igual ao que eu já fui (ou quis ser) nesta idade.
Basicamente, alguém que se importa menos com o que os outros esperam dele e pronto pra sonhar alto mesmo que os sonhos não passem pelo crivo de quem o rodeia.
Há meses, venho ensaiando com ele um rolê aqui comigo.
Ver o Cruzeiro no Mineirão, pedalar na Pampulha, ir num escape room, passear no shopping pra comer Mc Donald’s e ver um filme de terror, provar um drink legal num boteco.
Ontem, enfim, deu certo e ele veio.
Era o seu aniversário.
Talvez ele nem tenha ideia ainda do quanto essa decisão me fez sentir importante.
Poxa, ele fez 19 anos e a maior parte dos jovens não iam colocar como opção comemorar com o tio quarentão e o esposo dele. Que, pra fazer jus à data, fez questão de dar a ele um pouco de tudo que sei que ele gosta.
Fomos ao parque aquático, saímos pra comer algo gostoso, experimentamos drinks diferentes, vadiamos pelo bar, assistimos um terror indicado por ele (incrível, aliás), tomamos banho de jacuzzi, preparei uma picanha na chapa, comprei uísque e energético pra vê-lo fazer aquela mistura que eu acho intragável e deixei que ele colocasse suas canções pra gente ouvir enquanto curtimos a tarde.
E, no meio disso tudo, o escutei contar casos e perguntar coisas que me fizeram compreender com menos opinião e mais carinho o mundo que ele habitava.
Daí veio a surpresa.
Estávamos ainda no carro, ouvindo uma sequência de trappers que ele gosta (e eu abomino) quando ele, sem qualquer explicação, pediu pra eu colocar “Love in elevator”, do Aerosmith. Mostrou a capa do “Big Ones” no celular e disse: lembro de você ouvindo isso na casa da minha avó. Eu gosto dessa.
Sorri, ainda surpreso.
Ele foi pedindo pra incluir outras faixas, sem saber o nome mas falando dos clipes que lembrava: aquele das duas meninas no carro (Crazy); aquele que parecia da Alice no País das Maravilhas (Sunshine); aquele do filme do meteoro (I don’t want to miss a thing).
E então percebi que, mesmo ele tendo gostos bem diferentes dos meus, guardou como lembrança todas as canções que eu mostrei a ele quando ainda era criança.
O que, pra mim, foi como o maior abraço que recebi dele em toda a vida.
Agora, enquanto termino esse texto, toca ao fundo o show ao vivo da Gaga em Copacabana. Minutos antes, ele veio até aqui no meu escritório e perguntou se podia ligar de novo a jacuzzi e colocar música lá no andar de cima daqui de casa.
Claro que deixei, entretanto, não perdi a chance de verbalizar o quanto gostei do nosso dia e o quanto ele é bem vindo aqui.
Muito mais do que ser um tio bacana, essa aproximação veio do conselho de um amigo que me falou sobre olhá-lo sem filtro pra descobrir o quão incrível ele é.
O amigo, claro, estava certo.
E eu, felizmente, me enchi de um orgulho que precisava redescobrir.