Ah, a música pop! Esse termo que consegue ser simultaneamente a explicação mais óbvia e mais confusa do universo musical. É como tentar definir "comida gostosa" - todo mundo sabe o que é, mas ninguém consegue explicar direito.
Pop, abreviação de "popular", deveria ser simples: música feita para as massas, aquela que toca no rádio e gruda na sua cabeça como chiclete no sapato. Mas aí que mora o problema - e a beleza da coisa. O conceito é tão elástico que já esticou tanto que perdeu completamente a forma original.
A definição que não define nada
Tecnicamente, pop é qualquer música que visa o apelo comercial mainstream. É aquela fórmula mágica de 3 minutos e meio, com refrão grudento, produção impecável e letra que fala de algo comum para as massas. Mas espera aí - isso não descreve praticamente tudo que toca na rádio desde os anos 1950?
Exato. E aí está o plot twist: pop não é bem um gênero musical, é mais uma estratégia de marketing disfarçada de categoria artística. É o Uber da música - pega elementos de qualquer lugar (rock, R&B, eletrônica, country, até bossa nova) e entrega no formato mais palatável possível.
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O paradoxo pop: cabe uma penteadeira, sim!
A ironia suprema é que, para ser verdadeiramente "popular", a música pop precisa soar familiar mas inovadora ao mesmo tempo. É como fazer uma receita de bolo que todo mundo já conhece, mas com um ingrediente secreto que ninguém consegue identificar. Por isso temos subgêneros como electropop, indie pop, pop rock, pop punk - cada um tentando ser rebelde dentro das regras do sistema.
Só que se a receita for boa, não precisa necessariamente ser um bolo. O que significa que o jazz, o samba, o funk, o rap ou até o heavy metal também podem se declarar pop. Duvida? Lembre, por exemplo, de Enter Sandman do Metallica, Paranoid do Black Sabbath ou Chop Suey do System of a Down. Nos três exemplos, o DNA da música pesada está todo lá. Mas nem isso, vamos combinar, impede que as 3 canções sejam deliciosamente assobiáveis e - porque não admitir - pop.
Logo, querendo ou não, dá pra dizer que a música pop é tipo o coração da música da Banda mais bonita da cidade: não só cabe tudo o que não cabe na despensa como ainda cabe uma três vidas inteiras.
MPB: irmã-gêmea do conceito do pop
Mas engana-se quem pensa que só o pop tem essas confusões para ser entendido. De modo bem parecido, a sigla MPB também bagunça o meio de campo musical aqui no Brasil. Afinal, o termo que surgiu em 1945 para definir manifestações populares tipo o Boi-Bumbá, foi ressignificado no final da década de 1960 e, desde então, não significa nada ou significa outra coisa.
Isso, desde que começou a ser utilizado. Senão, vejamos: a sigla MPB sempre foi usada para rotular canções que se colocavam como tipicamente brasileiras, feitas por gente tipo Caetano, Gal, Gil e Chico Buarque. O que, convenhamos, era muito menos popular do que o som feito na mesma época por Roberto, Erasmo e toda a turma da jovem guarda.
E tem mais! Comparada com cantores ditos bregas - que vendiam muito mais do que os medalhões vinculados à sigla - era ainda mais estranho dizer que aqueles artistas eram populares.
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A evolução infinita
Para tentar organizar esse imbróglio, alguns pontos devem ser considerados. O primeiro deles, certamente, é de que o pop dos anos 60 (Beatles, Beach Boys) seria considerado rock clássico hoje. Já o pop radiofônico dos 80 só serviu pra colocar no mesmo balaio artistas de estilos diversos que tinham apelo popular (Madonna, Michael Jackson, George Michael e, por aqui, Ritchie, Léo Jaime ou Guilherme Arantes).
Os anos 90 e 2000 fundiram (ou foderam, você escolhe) tudo num único caldeirão sonoro e trouxeram a música eletrônica, o alternativo, o folk e tudo mais o que você quiser pra dentro do ringue do pop. A luta, claro, foi transmitida ao vivo pela MTV.
E o pop de hoje? Bem, hoje o pop é tudo: desde o trap melódico do Post Malone até o indie-folk-eletrônico da Billie Eilish. E seja lá fora ou aqui, ninguém mais liga pro tipo de som que é feito nem mesmo qual o estilo define uma canção ou artista.
Com isso, dá para dizer que Anitta é pop, Liniker é pop, Fresno é pop, Imagine Dragons é pop, Ghost é pop, Drake é pop, Bruno Mars é pop (pra caralho) e o Coldplay (que é o Jota Quest do mundo) é pop (e chato).
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A verdade inconveniente
No final das contas, pop é o que funciona. Assim como sempre foi, é a música que consegue atravessar bolhas, gerações e, atualmente, algoritmos. É democrática no sentido mais capitalista possível - se vende, é pop. Se não vende, é "alternativo" (que é só pop esperando a sua vez).
Então, da próxima vez que alguém torcer o nariz para "música pop", lembre-se: provavelmente a banda favorita dessa pessoa já foi pop em algum momento. Porque no mundo da música, todos os caminhos levam ao pop - alguns só demoram mais para chegar lá.
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Pop de verdade: pra não poupar ninguém
E agora que entendemos melhor essa bagunça conceitual, eu convido vocês a descobrirem (ou revisitarem) comigo, algumas pérolas que provam que pop pode ser muito mais do que imaginamos. Para isso, montei a playlist abaixo com 30 canções (entre nacionais e gringas) que considero deliciosamente pop. Contudo, de uma maneira tão classuda que, geralmente, me fazem desistir desta discussão e dar o play repetidamente para escutá-las.
Fique à vontade para comentar o que você acrescentaria nessa playlist.